terça-feira, 12 de outubro de 2010

Livre-arbítrio: Tenho liberdade para crer?




                É comum pensar que a teologia reformada nega o livre-arbítrio humano e se mostra contrária a passagens que enfatizam a importância da decisão humana no processo de salvação. Na realidade, porém, a teologia reformada sempre reconheceu as atividades reais da vontade humana na salvação.
                Embora a expressão “livre-arbítrio” não apareça nas Escrituras, num sentido técnico ou teológico, é correto dizer que a Bíblia tanto afirma como nega, de várias maneiras, que as pessoas possuam livre-arbítrio. Os teólogos reformados costumam abordar essa questão distinguindo entre a livre agência humana, o livre-arbítrio moral e a liberdade absoluta.
                Em primeiro lugar, a livre agência simplesmente reconhece  que os seres humanos são criaturas que possuem vontade própria. Ao contrário de pedras, árvores, montanhas e outras partes da criação, os seres humanos fazem escolhas morais. Todos os seres humanos são agentes livres, no sentido de que tomam decisões ao que farão. Por esse motivo, também somos moralmente responsáveis pelas nossas escolhas voluntárias. Foi assim com Adão tanto antes quanto depois de ele ter pecado; é assim agora e o será para os cristãos glorificados – um fato que é refletido ao longo da Bíblia. Todas as pessoas têm o dever de fazer escolhas certas e responsáveis (Js 24:15; 2Sm 12:1-10; Jo 7:24; Rm 1:18-32; 14:13). No entanto, a livre agência não inclui a capacidade de fazer qualquer escolha moral em qualquer circunstancia, nem a capacidade de escolher algo contrário à própria natureza. Uma vez que a obediência e fé no evangelho são contrárias a natureza humana decaída (Rm 8:4-8), o conceito de livre agência não afirma que o homem decaído possui o livre-arbítrio para fazer tais coisas.
                O livre-arbítrio moral, por sua vez, é uma capacidade de escolher entre todas as opções morais que uma situação apresenta. Muitos teólogos cristãos do século 2º. (por exemplo, Clemente de Alexandria e Orígenes), ensinavam que a natureza humana decaída possui o livre-arbítrio. Negavam que os seres humanos limitados pela sua condição moral decaída, insistindo em vez disso que os homens são capazes de escolher qualquer rumo que desejarem, incluindo a decisão, pelo seu próprio poder e vontade, de crer no evangelho e obedecer a ele. Essa visão contrasta nitidamente com as Escrituras. Agostinho e teólogos reformados afirmaram corretamente apesar de a humanidade possuir livre-arbítrio moral antes da queda, o pecado original nos privou do mesmo.
                Uma vez que somo descendentes de Adão, não temos a capacidade natural de discernir e escolher o caminho de Deus ou de crer no evangelho, pois não temos nenhuma inclinação natural para com Deus. Nosso coração é escravo do pecado e somente a graça e a regeneração podem nos libertar dessa servidão. Por isso Paulo ensinou em Romanos 6:16-23 que somente as pessoas libertas do domínio do pecado podem escolher entre a justiça livremente e de todo coração. Uma inclinação do coração para agradar a Deus é um dos aspectos da liberdade que Cristo concede aos seus seguidores (Jo 8:34-36; Gl 5:1,13).
                Tem havido, e ainda há teólogos cristãos que argumentam de várias maneiras que, a fim de terem qualquer relevância, as escolhas humanas devem ser absolutamente livres dos decretos soberanos de Deus. A teologia reformada rejeita categoricamente este erro. Em primeiro lugar, é evidente que possuímos várias limitações físicas e mentais decorrentes da ordem natural determinada por Deus para este mundo. Não temos a liberdade absoluta em nenhuma área. Ademais, as Escrituras ensinam que Deus tem um plano imutável que abrange todos os acontecimentos que ocorrem, desde os maiores até os menores (Is 46:10; Mt 10:29-31). As escolhas humanas estão incluídas nesse plano, mas não podem, jamais, impedir ou frustrar os propósitos de Deus (Is 8:10; 14:26-27). Portanto, assim como estamos certos de que nenhum ser humano decaído tem a capacidade moral de escolher crer no evangelho, podemos ter certeza de que ninguém tem a capacidade de frustrar os propósitos de Deus nem a salvação que ele determinou para nós em Cristo (Rm 8:28-30). Todos os foram predestinados à salvação receberão o chamado eficaz, serão regenerados e escolherão crer. Essa limitação de nossa vontade não é, de maneira alguma, um fatalismo que diminui a importância da escolha humana, mas sim, uma afirmação sublime do nosso lugar importante no mundo de Deus.

        Fonte: Bíblia de Estudo de Genebra [Ed. revista e ampliada], p. 306.

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