Por Danyllo Gomes
Da
própria Escritura derivam-se alguns princípios para guiar nossa
interpretação do texto. É óbvio que nós (seres pensantes) quando
vamos a um texto vamos com uma “bagagem”. Nossos pressupostos,
princípios que nos guiaram por toda a vida, filosofia própria,
estilo de vida, modo de pensar, cosmovisão própria; tudo isso
influencia-nos quando vamos entender um texto. Por isso, para termos
consciência do que o Senhor nos deu como revelação, precisamos nos
apegar a alguns princípios extraídos da própria Escritura, para
que através deles, possamos nos esvaziar de nós mesmos e apendermos
os ensinamentos do Senhor. Portanto, é de importância central
termos consciência desses princípios.
AUTO-INTERPRETAÇÃO
DAS ESCRITURAS
Como
princípio primário e fundamento temos a auto-interpretação das
Escrituras. Esse princípio nos ajudam a entender cara passagem,
independentemente de ser uma passagem obscura ou não. A Bíblia
interpreta ela mesmo, esse é o significado. Todos
os outros princípios dependem desse. Não há sentido em dizer:
“passagens mais claras dão lugar a passagens mais escuras” se
antes não entendermos que a Bíblia se auto-interpreta. A Confissão
de Fé de Westminster tem uma organização bem interessante. No
primeiro capítulo ela não fala sobre Deus, nem sobre o homem; ela
inicia falando sobre a Escritura. A Escritura é que vai guiar o
nosso entendimento quanto a Deus, quanto ao homem, ou seja lá qual
for o assunto. Os
reformadores seguiram esse princípio ao pé da letra; o lema deles
era: “Scriptura,
Scriptura interpres.”¹,
ou seja, o melhor intérprete para a Escritura é ela mesma.
Esse
fundamento nos leva a outro ponto. Precisamos ter consciência que
nem a tradição, nem os Pais da Igreja, nem filosofia, nem qualquer
outro tipo de influencia pode guiar nosso entendimento a respeito das
Escrituras. Ela
é a única fonte infalível, inerrante e autoritativa. A quem mais
devemos recorrer senão ela?
PRINCÍPIO DA ANALOGIA DA FÉ
Também
definido como a harmonia geral das doutrinas bíblicas fundamentais,
o princípio da analogia da fé nos apresenta não nos apresenta um
conceito concreto, mas Walter Kaiser nos apresenta alguns que pode
servir: (1) axiomas ou doutrinas centrais da fé cristã; (2)
passagens bíblicas claras. Paulo Anglada a define como: “significa
que uma passagem bíblica deve ser interpretada à luz do ensino
geral das Escrituras.” ².
Esse
princípio - dentre tantos benefícios para interpretação – nos
impede de interpretar a Bíblia incoerentemente, fazendo-a
contraditória. Se o ensinamento de um texto vai contrário ao
ensinamento de outro texto de modo nenhum é porque a Bíblia é
contraditória; pode ser culpa de tudo: tradição, capacidade
humana, ou qualquer outra coisas, mas nunca a Bíblia. Faço
das minhas palavras a de A. W. Pink: “Nenhum
verso das Escrituras deve ser explicado de modo que conflita com o
que é ensinado clara e uniformemente nas Escrituras como um todo,
nossa única regra de fé e obediência. Isto requer do expositor que
não apenas um conhecimento do sentido geral da Bíblia mas também
que ele se dê a trabalho de reunir e comparar todas as passagens que
tratam ou têm relação específica com o assunto diante de si, de
modo que possa obter a intenção do Espírito acerca do assunto.”
³
Com
base nisso, segue-se alguns pontos que preciso ressaltar.
Primeiramente o teólogo precisa ter uma boa base de Teologia
Sistemática. Na
Teologia Sistemática o estudioso terá uma visão geral das
principais doutrinas bíblicas durante toda a Escritura. A Teologia
Sistemática não se resume a uma passagem, não se resume a um
capítulo, não se resume a um livro; a Teologia Sistemática estuda
um determinado assunto durante toda a Bíblia. Mas por que isso é
importante? A importância é que além de você saber as principais
doutrinas Bíblicas (as que não devem ser quebradas de maneira
nenhuma), você também saberá o que toda a Bíblia fala de um
determinado assunto. Isso previne o estudioso de cometer qualquer
contradição bíblica.
Por
outro lado, é de suma importância que o estudioso tenha bastante
conhecimento da Teologia Bíblica. Na Teologia Sistemática o teólogo
terá um entendimento de uma doutrina de modo geral nas Escrituras;
já na Teologia Bíblica o teólogo precisará entender a passagem de
acordo com seu contexto. Em vez de estudar a doutrina que aquela
passagem passa, ele estudará a passagem,
o seu contexto, o seu capítulo e o seu livro. É de vital
importância que o estudioso entenda a passagem de acordo com seu
contexto. Para que ele extrai o ensinamento do texto ele deve saber o
que aquela passagem está falando naquele contexto.
Observando
o ensinamento da Trindade como exemplo:
em
Mateus 3:16-17 diz: “Batizado
que foi Jesus, saiu logo da água; e eis que se lhe abriram os céus,
e viu o Espírito Santo de Deus descendo como uma pomba e vindo sobre
ele;
e
eis que uma voz dos céus dizia: Este é o meu Filho amado, em quem
me comprazo.” Para
que esse texto não entre em contradição e haja uma interpretação
consistente o teólogo primeiro deve observar a passagem de acordo
com o seu contexto, perguntas como: “onde a passagem se passa? O
que está acontecendo? Entre outras...” deve guiar a interpretação
Bíblica. Por outro lado, quando o significado é retirado do texto
(nesse caso o ensinamento da Trindade) deve-se observá-lo de acordo
com todo o ensino da Escritura a respeito dele. No
caso do texto, utilizaremos a Teologia Sistemática para entendermos
o ensino da Trindade durante toda a Bíblia. Portanto, na
interpretação Bíblica a Teologia Sistemática e a Teologia Bíblica
precisam ser harmonizadas e usadas como instrumento de entendimento.
Outro
ponto importante é o conceito de progressividade das revelação.
Precisamos ter em mente que a Bíblia não foi escrita apenas em um
momento. Temos vários anos de história antes dela está completa.
Portanto,
cada escritor estava no seu contexto. É
importante então entendermos cada momento da revelação.
PRINCÍPIO
CRISTOLÓGICO
Paulo
Anglada define esse princípio da seguinte forma: “afirma
que Cristo é a chave para a interpretação bíblica, porquanto toda
ela, inclusive o Antigo Testamento, se refere a Ele, se concentra
Nele e dá testemunho Dele.”
4
Em resumo esse princípio nos diz que Cristo é o centro de toda a
Escritura; desde Gênesis até Apocalipse. Seguindo
o modelo de Paulo Anglada podemos descrever a relação de Cristo com
o texto da seguinte forma (citarei
as principais):
(1)
Perspectiva
neotestamentária: a
nossa visão do Antigo Testamento não deve-se reter apenas ao
ensinamento histórico das narrativas. Precisamos fazer uma ponte com
o Novo Testamento para entender qual o significado que Cristo tem em
determinada passagem do Antigo Testamento. Vale
salientar que esse tipo de interpretação não muda o sentido do
texto, mas aprofunda até chegar a Cristo.
(2)
Conceito de aliança: A
Bíblia é formada por alianças. Aliança essas que Deus fez com seu
povo para que ele se reconciliasse com O criador. A Antiga Aliança é
descrita por determinadas características. Como também a Nova
Aliança tem suas próprias características. A Escrituras descreve
como foi o decorrer dessas alianças, e sempre enfatizando o seu
mediador: Jesus Cristo. Os
pactos vão ser bem mais claramente entendidos à luz daquele ao qual
ele é mediado.
(3)
Peleja história entre o descendente da mulher e o descendente da
serpente: para
entender o personagem principal de toda a Escritura é necessário
entendermos como
ele surgiu. Em Gênesis já vemos a semente do evangelho. Cristo
sendo profetizado através da descendência da mulher. Como
entender o decorrer desta história se não apontarmos para Cristo?
(4)
Relação entre os ofícios de Cristo. Cristo
é tanto sacerdote, quanto rei, quanto profeta. A relação entre
esses ofícios, a Escritura e os Alianças é inseparável. Cristo
é sempre representado como rei na Escritura; Ele é o sacerdote
supremo do Seu povo nos pactos; e Ele é o profeta de Deus diante de
toda a terra. “Qualquer
referência bíblica aos ofícios profético, sacerdotal e real deve
ser interpretada à luz da sua relação com os ofícios de Cristo”,
diz Paulo Anglada 5.
TIPOLOGIA
Tipologia
é o estudo de pessoas, eventos, objetos no Antigo Testamento (tipos)
que prefiguram o há de acontecer (antítipo), ou prefigura algo no
furuto. Por exemplo: no Antigo Testamento o sacrifício do povo de
Deus era feito através do cordeiro. No Novo Testamento Jesus Cristo
“é o cordeiro que tira o pecado do mundo.” Portanto, o cordeiro
é a prefiguração do Cristo vivo. O cordeiro é o tipo e Jesus
Cristo é o antítipo.
Os
“tipos” tem suas características para que ele possa ser
identificado, elas são:
(1)
Elemento de relação, semelhança ou correspondência: Para que uma
pessoa, evento ou instituição seja interpretada como tipo, deve
haver um relacionamento de semelhança entre a pessoa , evento ou
instituição. Esse ponto é fundamental para a observação da
tipologia e sua identificação. Devemos sempre perceber as
semelhanças e a relação entre o tipo e o antítipo.
(2)
Elemento histórico. Há uma diferença profunda entre tipologias e
parábolas. Parábolas não são consideradas tipologias apesar de
terem alguma relação. A parábola é mais caracterizada pela
correspondência do que pela tipologia. A tipologia tem um caráter
histórico no que diz respeito a seu entendimento. Por exemplo, os
personagens do Antigo Testamento como Adão, Isaque, Jacó podem ser
considerados como tipologias de Cristo, isso porque além da relação
de semelhança, é também observado o caráter histórico dessas
passagens.
(3)
Elemento profético ou prefigurativo. A tipologia também pode ser
considerada profética, isto é, sempre intimamente relacionada com
um acontecimento futuro. Isso se dá normalmente por conta da Antiga
Aliança, onde suas tipologias sempre apontam para algo no futuro, ou
seja, para a Nova Aliança. Também considerada prefigurativa por
figurar algo futuro e sempre uma relação de semelhança.
(4)
Elemento de progresso ou elevação histórica. Como bem sabemos a
história da salvação da Escritura é passada de forma progressiva,
ou seja, a revelação foi escrita ao longo do tempo, e não pronta
num momento específico. Com base nisso podemos afirmar que a
tipologia se caracteriza por sempre - dentro desse progresso de
revelação – observar a construção e a relação entre
personagens ou instituições ou seja lá qual foi o item tipológico.
(5)
Intenção divina. Paulo Anglada afirma: “Para que uma pessoa,
instituição ou evento histórico seja considerada uma tipológica
de realidades futuras, deve haver ainda evidências bíblicas de que
Deus realmente tencionou empregá-las como tal.” 6
Esse, particularmente, creio que é o ponto principal. Tudo se baseia
na intenção do Senhor. Todas essas características vão estar
baseada nesta: foi a intenção do Senhor mostrar determinada pessoa,
evento ou instituição histórica como tipológica?
PRINCÍPIO
DA INTERPRETAÇÃO DE PASSAGENS OBSCURAS
Esse princípio é derivado do primeiro que estudamos
(Auto-interpretação das Escrituras). A principal ideia aqui se
refere a como vamos entender um passagem que, por si só, não é tão
fácil de ser entendida. É aí que entra esse princípio. A partir
do momento que temos uma passagem difícil de ser entendida o que
precisamos fazer para obter desta passagem o ensino que ela nos traz
de forma clara? Segundo o princípio isso é feito através de textos
paralelos.
Através dos textos paralelos é possível fazermos a interpretação
correta de algum texto obscuro. Normalmente esses textos paralelos
são encontrados em textos do mesmo autor, tonando assim o sentido da
passagem obscura mais clara. Portanto, devemos interpretar as
passagens obscuras à luz das passagens mais claras.
NOTAS
¹ Introdução à Hermenêutica Reformada, Paulo Anglada, Ed. Knox,
pág. 165.
²
Introdução à Hermenêutica Reformada, Paulo Anglada, Ed. Knox,
pág. 168.
³ Interpretation of the Scripture, Arthur W. Pink.
4
Introdução
à Hermenêutica Reformada, Paulo Anglada, Ed. Knox, pág. 179.
5
Introdução
à Hermenêutica Reformada, Paulo Anglada, Ed. Knox, pág. 185.
6
Introdução
à Hermenêutica Reformada, Paulo Anglada, Ed. Knox, pág. 194.